Além da colina, além do muro de pedra que cercava a
casa,Lua estava parada à beira-mar, os dedos dos pés enterrando-se na areia, as
mãos enterradas nos bolsos da jaqueta. Sentia-se mal por pressionar Arthur, mas
nunca conhecera um homem tão teimoso quanto o senhor do castelo Arthur. O vento
levantava os cabelos macios fazendo-a estremecer. Mais chuva, mais
trovões, pensou, dizendo a si mesma que seria bom checar se havia previsão de
furacões. Olhando para a casa, viu a figura que descia correndo o caminho às escuras.
Era Arthur. Ele
desapareceu junto ao portão para ressurgir em seguida, correndo na direção
dela, num passo firme. Imediatamente Lua recuou. Ele usava um capuz e um abrigo
escuro, que o deixavam quase invisível na noite iluminada apenas pelas luzes de
segurança que vinham da casa.
Ao vê-la, ele parou.
Por um instante, ela
hesitou, mas logo se virou, andando na direção da casa.
— Lua — disse
ele, ao vê-la passar, sem fitá-lo.
— Não quero que Sofia
fique na casa sozinha.
— Os alarmes estão
ligados.
— Isso não faz
diferença se ela acordar e começar a me procurar. Por ela, não por ele, pensou
Arthur sentindo a frustração dominá-lo. Mas era por isso que Lua estava ali.
Para cuidar de Sofia e amá-la. Para fazer tudo que ele não podia.
— Lua, espere.
— O quê? Outra
discussão? Já sabe o que sinto.
— Sei? Uma
noite se entrega nos meus braços, e na outra fica furiosa.
— Com razão,
nas duas situações — disparou ela. — O beijo não tem nada a ver com a sua filha
e com o quanto ela deseja estar com você.
Eu sei — disse
Arthur, aproximando-se. — Só queria ter certeza se você sabia. Lua deu um passo
para trás.
— Não vamos
falar sobre isso — disse, lutando contra o impulso de atirar-se nos braços dele
e beijá-lo de novo. Como ele sempre conseguia arranjar um jeito de ficar na
sombra?
— Isso não fará
com que desapareça — retrucou ele. Um silêncio pesado pairou no ar, e Lua podia
ouvir-lhe a respiração, o vento contra as roupas dele, até que falou novamente:
— Nem eu quero isso.
Ela também não queria
esquecer, mas precisava dizer o que sentia.
— Não gosto que me
usem.
— Não sou
aquele canalha que fez você sofrer, Lua.
— Isso não importa. O
beijo apenas mostrou como podemos perder a cabeça facilmente. — E como poderia
ser maravilhoso, acrescentou, em silêncio. — Eu estava disponível, e quem eu
era não fazia muita diferença.
— Por que diz isso?
— Gosto da
verdade. É mais fácil encará-la.
— Então está vivendo
uma mentira. — De repente, ele aproximou-se, e dessa vez, Lua não recuou. —
Nunca usei uma mulher. E amei apenas uma vez na vida. — Ele respirou fundo.
— E nada se compara
ao que sinto quando você está perto. Lua sentiu os joelhos fraquejarem, o
coração disparar.
— É apenas atração.
— Atração eu conheço.
É algo apenas temporário.
— E eu sou
apenas temporária em sua vida, Arthur — disse Lua, tentando manter a voz firme.
— Meu Deus, o que
esse homem fez com você? — perguntou ele, detestando aquela frieza, e querendo
saber o que a causara.
Ela ergueu o queixo,
num gesto de desafio.
— Ele me pediu em
casamento, e cometi o erro de aceitar, acreditando que me amava. Dois dias
antes do casamento, soube que iria casar-se comigo por causa de meus títulos de
beleza, para me exibir para a sociedade.
Arthur murmurou,
demonstrando compaixão, mas ela não queria piedade. Já bastavam as irmãs e os
amigos, tentando confortá-la.
— Chay pretendia
continuar com a amante, e eu seria um troféu para mostrar aos amigos, receber
visitas e gerar um lindo casal de filhos. — Ela sacudiu a cabeça, fitando o
mar. — E eu não queria nada — disse, virando-se para Arthur —, além de amor.
— Ele foi um
tolo, egoísta e arrogante. — Aquela mulher maravilhosa o amara e o idiota não
reconhecera seu valor, pensou Arthur.
— Também prefiro pensar
assim. — Ele segurou-a pelo braço, e Lua estremeceu de expectativa. Mesmo assim,
reagiu.
— Não, Arthur.
Não posso me envolver com você.
— Acho que não tem
mais jeito... está na minha casa, cuidando da minha filha... e me deixando
louco. — Ele baixou a cabeça.
O perfume dele a
envolvia, e o calor do corpo forte aquecia a pele, protegendo-a do vento. Lua
não podia mentir para si mesma. Apesar de saber que era arriscado, que poderia
magoar-se outra vez, já que ele não sairia para a luz, nem por ela, nem pela
filha, não pôde resistir. Queria que ele a beijasse novamente, precisava saber
se o que havia sentido na escada era verdadeiro, se o toque dele realmente
podia fazê-la arder. Ou seria apenas o mistério do rosto e do corpo que não
podia ver, a dor que escondia nas sombras? Ou seria apenas o erotismo daquela
voz sedutora, que vinha das sombras e parecia enfeitiçá-la?
Arthur sentiu o gosto
de Lua, antes mesmo de seus lábios se tocarem. Ouviu o gemido abafado, pedindo
mais. Então, a boca de Arthur devorou a dela, e o calor espalhou-se por seu
corpo, penetrando nos ossos, como um fogo incontrolável.
— Lua —
murmurou, e ela enterrou os dedos no peito dele, puxando-o para mais perto.
— Não devíamos... —
As mãos dela deslizaram pelo peito forte, mas Arthur segurou-lhe os pulsos,
prendendo-os atrás das costas de Lua.
— Não — gritou ela, o
desejo transformando-se em raiva. — Não posso — ofegou, afastando os lábios dos
dele. — Não consigo viver assim. Se não confiar em mim, não pode haver nada
entre nós.
Ela lutou para
livrar-se, e imediatamente Arthur soltou seus pulsos. Lua não olhou para trás,
enquanto corria para a casa, o corpo ansiando pelo dele, o coração partido.
Arthur viu-a
afastar-se, tentando recuperar o fôlego. Aquilo não estava acontecendo, não
podia ser, disse a si mesmo, o corpo ardendo de desejo. Mas, no mesmo instante,
viu-se como uma imitação patética do homem que fora um dia. E detestou.
Depois de uma corrida
que testou até o limite seus músculos doloridos,Arthur voltou para casa,
pegando um copo de água antes de subir. Ao passar pela sala, encontrou um dos
desenhos de Lua sobre a mesinha de café. Era um esboço de Sofia, dormindo na
poltrona, com a gatinha. Havia outro, da casa, e mais um, de Sofia sorrindo
graciosamente. O que o surpreendeu não foi apenas o fato de que eram muito
bem-feitos, mas o amor que era possível detectar em cada traço. E tinham sido
feitos num bloco simples, a lápis. Arthur pegou um dos desenhos de Sofia e
dirigiu-se ao quarto, quase sem se importar em ser descoberto vagando pela
casa. Sabia que Lua faria de tudo para evitá-lo.
Os dois dias
seguintes provaram que estava certo.
Lua deixava as
refeições na porta da suíte, com uma batida na porta, e não mais do que duas
palavras. Sabia que, se falasse com ele, às lembranças voltariam, e o desejo
também. Também sabia que não iria adiantar, mas precisava de tempo para pôr a
cabeça e o coração, no lugar. No entanto, cada vez que pensava nele, ficava
mais confusa.
Sofia parecia
especialmente feliz naquele dia, e Lua tentou se concentrar na menina, para
esquecer suas apreensões. Andaram na praia, catando conchas, que lavaram e
colaram na moldura de um espelho antigo que ela encontrara na garagem. Um dos
lados da garagem estava todo desarrumado, enquanto o outro estava em ordem e
limpo. Lua imaginou que muitas daquelas caixas deviam ter pertencido à
ex-mulher de Arthur, e guardavam lembranças do casamento.
— Quer pintá-lo para
combinar com seu quarto? — perguntou Lua, e Sofia negou, com um gesto de
cabeça.
— Quero dá-lo
para o papai.
Lua piscou, surpresa,
mas logo sorriu.
— Aposto que ele vai
adorar.
— Vou levar para ele.
— Querida, não
sei se é uma boa ideia — Mas Sofia já corria para a casa, o tesouro apertado
contra o peito. Lua seguiu-a, alcançando-a na escada. — Espere, Sofia. Precisa
secar. Por que não põe em seu quarto, por enquanto?
— Não! Quero dar para
ele!
Sofia soltou-se da
mão de Lua e correu escada acima. Mas Lua foi mais rápida e alcançou-a,
abraçando-a contra o peito.
— Solte-me!
— Querida, não
pode vê-lo. Ninguém pode.
Sofia começou a
chorar e Lua sentou-se nos degraus, abraçando-a carinhosamente e pondo de lado
o espelho. Algumas conchas caíram, e a menina passou os braços e pernas à volta
de Lua, soluçando.
— O que está
acontecendo aí?
Lua não
respondeu à voz que soava no interfone, sussurrando palavras carinhosas para a
menina e carregando-a escada acima, sem esquecer do tesouro. Os soluços de
Sofia diminuíram quando Lua colocou-a na cama, tirando-lhe os sapatos. Embora
fosse a hora em que costumava dormir, lutava contra o sono.
Quero Serabi. - Ela pediu chorosa
Afastando os cabelos
do rosto da menina, Lua sorriu.
— Vou buscá-la.
Assim que saiu do
quarto, Sofia sentou-se, desceu da cama, e empurrou a cadeira da escrivaninha
até a parede. Equilibrando-se na ponta dos pés, apertou o botão do interfone.
— Papai? Tenho um
presente para você. Eu mesma fiz. É um espelho.
Ele não respondeu.
— Papai?
— Foi muito gentil,
querida. Tenho certeza de que é lindo.
— Você não quer?
— Quero, sim.
Muito.
— Então venha
buscá-lo — disse Sofia, em tom de choro.
— Não posso, querida.
— Pode, sim! — gritou
Sofia. — Vi você na praia. Pode, sim. Lua entrou, trazendo a gatinha. Ouvira o
suficiente para saber o que estava acontecendo. O gemido doloroso de Arthur
ecoou no interfone.
— Venha, querida —
disse, tirando Sofia da cadeira e carregando-a para a cama.
A menina começou a
chorar outra vez, chutando as cobertas.
— Não vou lhe dar
Serabi, se continuar assim.
A garotinha suspirou,
fitando-a .Os lindos olhos castanhos revelavam tristeza.
— Desculpe-me —
murmurou.
— Não é sua culpa,
meu bem. Sei que está zangada porque seu pai não veio até aqui. — E eu também,
pensou Lua. — Mas precisa se acalmar. Prometo que darei o espelho a ele.
— Como pode
vê-lo, e eu não?
— Também não o vi.
— Mas ele estava na
cozinha com você!
— Estava escuro. Eu
não o vi.
— Oh!
— Agora durma
um pouco e descanse. Quem sabe mais tarde possamos dar uma volta de cavalo.
Está bem — respondeu
ela, pegando a gatinha. Lua sacudiu a cabeça.
— Acho que Serabi não
está com sono. — E como se quisesse confirmar que ela tinha razão, a gatinha
escapou para o chão e correu.
Sofia pareceu
subitamente muito só. Não podia deixá-la sozinha.
Lua tomou-a nos
braços, carregando-a para o próprio quarto, onde a colocou na cama. Tirando os
sapatos, deitou-se ao lado da menina, que logo se aconchegou a ela. Colocando
uma colcha sobre as duas, Lua continuou sussurrando palavras doces.
— Eu gosto
muito de você, Sofia —- sussurrou, antes de adormecer.
— Eu
também de você — disse Sofia.
Arthur ficou parado
no quarto de Lua, observando-as enquanto dormiam. Queria deitar-se na cama com
elas, abraçá-las. E amaldiçoou o momento em que vidro e metal haviam dilacerado
seu corpo e sua vida.
Sentia-se como um
monstro acorrentado, que magoava todos que gostavam dele, quando tentavam se
aproximar. Estava tão feliz por ter as duas em sua vida, e só agora percebia
como era solitário antes disso. A emoção, de repente, tomara conta do Castelo
Aguiar. Podia senti-la no ar. E sabia que, quando Lua acordasse, haveria
silêncio total, ou palavras duras. E não estava ansioso por isso.
Olhando para o
espelho que segurava, observou a moldura coberta de conchas. Não havia espelhos
no andar superior. Não precisava deles, nem mesmo para se barbear. Não queria
recordar por que era melhor ficar longe dos outros, por que ninguém gostava de
ver sua imagem.
Mas iria guardá-lo,
vendo refletidas nele as imagens de Sofia e Lua, abraçadas, como mãe e filha. E
saberia que jamais poderia tê-las.
Deixando um bilhete
para Sofia, agradeceu pelo presente e saiu do quarto, sentindo no ar o perfume
de Lua, que parecia estar preso às suas roupas. Subindo a escada que levava à
torre, fechou a porta atrás de si, deixando o mundo do lado de fora e desejando
que pudesse fazer o mesmo com seu coração.
Um espelho coitado =[
ResponderExcluirooh :( eu sinto pena e raiva dele , mais a lua n ta ajudando mto . / LuArIsProud
ResponderExcluirawn sério a web é mto tocante muito,ela é linda perfeita
ResponderExcluirQue bom que vocês estão gostando, meninas. Eu já li essa web e achei ela a melhor que eu já li. Enfim, tem muita coisa por aí, e tenho certeza que irão gostar. Beijos, Sarah ;)
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