sexta-feira, 31 de maio de 2013

June 15th


Capítulo 2.


Mais um dia de correrias. Levantei cedo, com dificuldades, é claro, já que parecia não ter dormido um segundo sequer. Ouvi barulhos vindos da cozinha. Provavelmente Mel já estava de pé. Faz exatamente uma semana desde que aquele ser esquisito me chamou para um “programa” que não foi exatamente um “programa”. Eu não sei bem o motivo pelo qual ainda estou pensando naquele dia... Talvez por ser a primeira vez em que eu não tenho que, bem, deitar com o cliente. Sacudi a cabeça tentando afastar aqueles pensamentos e levantei, fui ao banheiro e tomei um belo banho para despertar e poder ir à aula. A preguiça era quase maior do que o meu poder de dominá-la com um café forte e amargo. Vesti uma camiseta do Oasis — uma das poucas bandas que eu realmente sei quem são os integrantes e tenho fascínio por cada canção — e coloquei uma calça cigarrete, calçando em seguida meu velho Adidas. Escovei os cabelos, que hoje em dia não são mais longos como eram aos 16 anos. Caminhei quase que cegamente até a cozinha e avistei Mel tomando café com a maior pressa do mundo e lendo jornal ao mesmo tempo.
— O que está acontecendo? Que pressa é essa?
— Bom dia pra você também, Lua! — Ela respondeu sem ao menos tirar os olhos do jornal.
— Dã, bom dia, retardada — beijei o topo de sua cabeça e me dirigi à torradeira. — É só que você me parece apressada... Geralmente parece que você não tem nada para fazer, toma café quase que se arrastando...
— Ai amiga, eu sei, mas é que hoje tenho que apresentar um projeto na faculdade, é individual e eu estou morrendo de nervoso. Sou a primeira a apresentar. — Mel Disse alisando seus longos cabelos loiros. Em seguida, olhou para o relógio, dando uma golada significativa que deve ter acabado com todo o café presente em sua xícara. — OH CÉUS! Estou quase atrasada! Beijo amiga, te amo, me deseje sorte!
— 'Tá, mas... Aff, boa sorte, sua louca! — Disse confusa, já que ao mesmo tempo em que ela ia falando, ia se levantando e correndo para a porta com uns três livros grossos na mão. Peguei algumas torradas e coloquei um pouco de café na xícara. Comi tudo em pé mesmo, também estava quase atrasada. Quando terminei, empilhei as xícaras — a minha e a da Mel, que saiu como louca — e os pratos para lavar mais tarde, peguei o meu material que estava na mesinha de centro e deixei o apartamento. No caminho, comecei a lembrar do Arthur de novo. Por que eu esperava que ele fosse aparecer para me buscar novamente? Quem procuraria de novo uma pessoa que lhe jogou spray de pimenta nos olhos e o chamou de assassino, maníaco e... Gay? Então voltei a pensar novamente que ele seria como os outros, o veria uma vez e nunca mais... Certamente ele tinha resolvido os seus problemas e não precisava procurar uma garota de programa. “Mas ei, nós nem transamos!” — veio-me em mente e eu já criei um milhão de expectativas e derrotas. Finalmente cheguei ao curso e ocupei a cabeça com boas aulas de literatura, os números lindos de matemática e a dinâmica presente nas aulas de história. Foi sarcasmo, mas pelo menos parei de criar ilusões.
Saí da aula por volta das onze e meia da manhã e passei em um mercado próximo ao nosso apartamento para comprar coisas que estavam faltando para o almoço, como o próprio e indispensável feijão. Cheguei em casa e comecei a cozinhar, sabia que Mel chegaria faminta e cheia de novidades, já que era hoje o dia da apresentação do projeto. Quando tudo estava praticamente pronto, a escutei abrir a porta.
— Huumm, que cheiro bom! — Acertei, ela estava mesmo com fome.
— Folgada! — Brinquei e em seguida pude avistar Mel com uma cara realmente satisfeita. — Deu tudo certo pelo jeito, né?
— AI, EU AMO A VIDA! VOCÊ É LINDA AMIGA, MUITO LINDA! — Ela disse como uma perfeita bobona, abraçando-me por trás e me dando um beijo na cabeça. — Tirei a nota máxima, mereço um almoço reforçado!
Fiz careta, mas acabei até servindo o prato dela. Almoçamos muito animadas, Mel contou parte por parte da apresentação, demos algumas risadas e me assustei com a pergunta que ela fez após dar a última garfada.
— E o Arthur? Notícias dele? — Quase não consegui engolir a comida após ouvir isso. Depois de uma semana sem tocar nesse assunto, por que a minha amiga, que estava com a cabeça nas nuvens, lembrou do maldito Arthur?
— Nada, mas também um cara bonito como ele não deve precisar de uma prostituta para mais de um programa.
— Hello! Terra chamando Lua para a realidade! — Falou e em seguida abriu os braços de forma exagerada. — Vocês não fizeram “programa”, quer que eu desenhe? — Ri.
— Não que eu não tenha pensado no que você acabou de mencionar, mas só porque ele é lindo, cheiroso e extremamente sensual não quer dizer que eu tenha que esperar aparecer de novo... Existem outros homens igualmente lindos e sexies por aí.
— Uhum, 'tá... Mas o que eu lhe disse tá de pé, se você não quiser mais pode passá-lo para a sua amiguinha aqui que eu dou um trato! — Fez uma cara de conquistadora barata me fazendo jogar um guardanapo de pano em seu rosto e rir em seguida.
Juntei a pilha de louças e comecei a lavar, Mel estava tomando banho para se aprontar para ir trabalhar, já que seu emprego é apenas na parte da tarde. Lavei tudo e decidi tomar outro banho. Enquanto estava no chuveiro, escutei minha amiga dar “tchau” e trancar a porta. Vesti-me com um baby doll do Bob Esponja e decidi ver TV na sala. Não estava passando nada interessante, então como também não tinha mais nada para fazer naquela tarde, apenas fiquei passeando pelos canais. Acabei cochilando no sofá e quando acordei já era praticamente oito da noite, nem ao menos ouvi Mel chegar do trabalho. Lá estava ela, sentada na poltrona ao lado do sofá em que eu me encontrava estirada.
— Sono bom, hein, dorminhoca? — Sabia que a sem graça ia fazer piada, eu devia estar até babando.
— Er, sua idiota — mostrei-lhe o dedo.
— Cada dia mais mal educada! Está passando da hora de você parar o trânsito... Vai lá, Spice Girl, mostra como se faz! — Por que ela insiste em me encher o saco?
— Nossa Mel, depois dessa vou até levantar mesmo — Ouvi-a dar uma risada e comentar alguma coisa sobre o programa que estava assistindo na televisão.
Levantei e fui correndo me trocar, não podia perder tempo. Não gosto de chegar muito tarde, porque quanto mais tarde eu estiver lá, mais tarde acaba o programa. Vesti uma minissaia vermelha — que eu acho breguíssima, mas não vou mesmo usar as minhas melhores roupas para ir à calçada! —, uma baby look branca e um casaco não muito grande para não passar frio. Calcei a sandália mais alta que avistei e saí do quarto. Mel bateu palminhas e soltou assovios como se eu estivesse modelando. Mostrei-lhe o dedo novamente e me despedi. Ela me desejou sorte e eu apenas bufei, estava morrendo de preguiça. Dessa vez peguei o meu Ipod — cuja playlist só tem Oasis e Libertines — para me distrair enquanto fazia o percurso e, porque não, para esperar algum carro parar.
Fui me aproximando cada vez mais do meu “ponto” da calçada e não pude acreditar no que os meus olhos viam, estaria eu com problemas visuais? Bem ali, no cantinho onde eu ultimamente costumo sentar, estava ele: Arthur. Mais bonito do que nunca, mesmo de longe, já que o observei cerca de dez minutos antes de me aproximar. Ele olhava para o nada, realmente com uma expressão de estar esperando alguém. E ESSE ALGUÉM SOU EU!
Meu Deus, ele voltou! Aquele cara que eu achei que nunca mais veria havia voltado depois de uma semana e parecia me esperar ansiosamente. Espera, ansiosamente? Eu joguei spray de pimenta em seus olhos, depois o xinguei e ele estava ali, com aparência de estar inquieto me aguardando? Ele é doente, não eu!
Resolvi chegar mais perto, fui me aproximei com cautela, afinal quem me garante que ele não estava esperando outra pessoa? Outra garota? Foi então que ele se virou bruscamente e os nossos olhares se encontraram. Diferente de qualquer forma que eu imaginava um possível e distante reencontro (nesses, eu o imaginava chegando com a polícia e mandando me prender), Arthur sorriu. SOR-rIU. Com todos os dentes a mostra possíveis! Abaixei a cabeça, senti muita vergonha de encará-lo. Notei que ele havia se levantado, então se aproximou de mim, ficando parado na minha frente.
— Qual é a de hoje? Spray de quê? — Aquele idiota terrivelmente charmoso me pergunta, aparentemente sorrindo, já que eu estava de cabeça baixa e não pude ter certeza disso.
— Desculpa, sério... — Comecei a falar ainda de cabeça baixa, mas tomei coragem e a ergui, ficando cara a cara com ele. — Não sei onde eu estava com a cabeça para fazer aquilo.
Arthur balançou a cabeça negativamente, assim como fez no carro no dia em que “nos conhecemos”, como que dissesse para que eu deixasse pra lá.
— Doeu pra caramba, mas eu estou aqui, não estou? — Imbecil, vai ser lindo assim no Japão.
— Parece que sim! — Respondi, como sempre com ótimas respostas, arrancando uma risada abafada dele. O vi observar meu casaco e em seguida fechar o zíper dele.
— Está frio... — Disse depois de deixá-lo fechado, ao perceber que eu fiquei confusa.
— Obrigada, então! — Sorri fraco, ainda corada.
— Vamos? — Ele apontou para o carro e eu apenas assenti e o segui. Seu carro estava estacionado do outro lado da rua.
Entramos e logo eu notei algo diferente.
— Gostou? — Arthur me perguntou como se achasse que eu já tinha decidido o que tinha notado de diferente.
— Exatamente do quê? — Olhei confusa.
— Desse cheiro... — sua resposta veio como um tapa na cabeça. Claro, o cheiro! Era um aroma delicioso, como o de flores do campo.
— AH, er, muito! — respondi sem graça e continuei confusa. Por que ele me perguntaria do cheiro?
— É bom que você tenha gostado mesmo, vamos sentir esse cheiro por pelo menos mais duas horas. — Ah, certo, além de lindo ainda é misterioso e adivinha pensamentos?
— E o que você planeja para a gente em mais duas horas, dentro de um carro? — DÃ, PARA MIM COM ESSA PERGUNTA. Ouvi Arthur rir.
— Espere e verá — após dizer isso ele fez uma cara engraçada, como daqueles super heróis que vão levar a mocinha para voar pela cidade. Não pude me controlar e ri razoavelmente alto, o que o fez desviar um pouco a atenção do volante e me olhar assustado. — É, você realmente é estranha! — FILHO DE UMA #&¨%$! Ainda dá aquele sorriso à la Don Juan!
— De novo essa conversa? — bufei. — Olha que foi por isso que tudo começou naquela noite... — Ei, eu realmente estava me soltando, já consegui até falar mais de uma frase!
— Ah foi? — Ele me olhou novamente, surpreso. — Achei que fosse porque nós não fizemos nada e eu tentei te dar dinheiro! — Fiquei tão sem resposta que engoli em seco e desviei o olhar para a janela do carro. Pude ver que Arthur estava passando por um grande portão e notei também uma enorme quantidade de carros. Então ele encostou em uma banquinha que, pelo que pude ver, vendia alimentos. Logo baixou o vidro ao seu lado.
— Por favor, o maior saco de pipocas que existir aí e dois copos de Coca—Cola! — Assim que o escutei falar isso, olhei assustada. Eu realmente estava esperando que ele fosse me levar para uma rua deserta e “me pegar” no carro... E não isso! — Que foi? Você não gosta de pipoca e Coca—Cola? Posso pedir outra coisa, então...
— Não! — Interrompi antes que ele chamasse o cara que estava preparando tudo para mudar o pedido. — Nada a ver, eu gosto, só que não estou entendendo nada! — Fui sincera e o vi balançar novamente a cabeça e novamente dizer “Mulheres...”.
MULHERES? HOMENS! O confuso da história é ele, e não eu.
O rapaz entregou um balde de pipoca enorme e dois copos de refrigerante. Ele me pediu que segurasse tudo, então pagou e prosseguiu, estacionando perto do último carro da grande fileira. Aí então pude ver um grande telão. Fiquei maravilhada, será que eu estava mesmo ali? Sempre via essas coisas em filmes e nunca achei que fosse vivenciar. Só parei de babar quando Arthur pegou um dos copos e colocou o balde de pipoca entre nós dois.
— Isso é o que eu estou pensando? — Perguntei ainda surpresa.
— Depende do que você está pensando — respondeu enchendo a mão de pipoca e levando à boca. Sorri abobalhada, ele parecia uma criança fazendo isso.
Nem precisei falar mais nada, dentro de segundos tudo começou a funcionar, vi uma contagem regressiva no telão, acho até que meus olhos encheram de lágrimas.
— Tudo bem? Porque se você for ter um ataque cardíaco eu te devolvo, não quero que alguém morra no meu carro! Você sabe, defuntos costumam feder. — Disse com a boca cheia de pipoca. E adivinhem, eu ri. Parecia que ele observava cada movimento meu, como se entrasse em meus pensamentos e adivinhasse que eu estava praticamente morrendo de emoção.
— Dããã! — Nem pude acreditar que fiz aquilo! Acho que muita emoção não me faz bem. Assim que falei isso dei um tapa na testa dele, que arregalou os olhos, incrédulo. — Err, desculpa — dei de ombros e sorri totalmente envergonhada, peguei um pouco de pipoca e voltei os meus olhos para a tela, vi o letreiro e quase me engasguei.
— É isso aí! “E o vento levou”. Acho que eu tinha cinco anos quando assisti isso... — Ele deu de ombros como se ignorasse um dos filmes mais lindos que já vi em toda a minha vida e encheu a mão de pipoca novamente. — Meu pai também... — Completou de boca cheia.
— Seu pai também o quê? — Não consegui prestar muita atenção, estava tão hipnotizada pelo início do filme que perdi o raciocínio.
— Meu pai também devia ter uns cinco anos quando assistiu isso... — Sim, ele estava querendo mesmo tirar sarro do filme. — Come! — Antes que eu pudesse processar o que ele havia dito, Arthur pegou uma grande quantidade de pipoca e forçou contra a minha boca, para que eu comesse. Tentei empurrar sua mão, mas acabei cedendo e abri a boca, algumas couberam, outras caíram. Então o vi rir da minha cara. Fiz careta e em seguida tomei um pouco do meu refrigerante, praticamente o ignorando e voltando a prestar atenção naquele clássico do cinema. — 'Tá, 'tá, 'tá... Vou deixar você assistir. — Ele falou com um tom de voz que indicava que havia se dado por vencido. Agradeci mentalmente.
Lembrei que a última vez que vi “E o vento levou” devia ter 12 anos, estava na casa dos Former, pais de Carol, meus vizinhos, em Bolton. Estava com ela sentada no tapete da enorme sala, também comíamos pipoca e tomávamos refrigerante, assim como estava fazendo com Arthur. Senti uma falta enorme de Carol e de seus pais naquele momento. Não que eu não tivesse sentido antes desse dia, mas fazia alguns anos que não sentia aquele nó na garganta. Como será que eles estavam? Esses pensamentos esvaíram de minha mente como um foguete. Arthur não conseguia mesmo ficar quieto e logo me deu um tapa na testa, assim como fiz com ele assim que chegamos.
— OUTCH! Você está ficando louco? — Tentei parecer irritada, mas estava com vontade de rir, e ele percebeu.
— Bateu, levou, baby. Aqui é assim — arqueou as sobrancelhas e deu algumas gargalhadas gostosas e anormais.
Comecei a analisar aquele cara mais um pouco, passei a admirar a coragem que ele tem de sorrir, ver que não consigo ser tão “livre” quanto ele. Talvez por ainda não ter a vida dos meus sonhos, ao contrário dele, que pelo que me parecia era independente, rico e completamente de bem com a vida. Antes que parecesse que estava o admirando demais, desviei o olhar novamente para o telão, ainda rindo disfarçadamente. Não consegui acreditar que ele tinha devolvido o tapa que eu dei.
O filme já estava quase no final, deixei escaparem algumas lágrimas, Arthur havia ficado realmente quieto depois daquele segundo tapa. Pude assistir tranquilamente, mas antes que achasse que um milagre tinha acontecido o ouvi mastigar as pipocas em sua boca exageradamente, como que fizesse questão que eu escutasse. Era para me irritar, lógico.
— Você pensa que eu ligo? — Perguntei balançando a cabeça.
— Hum, penso... — Então ele se aproximou de meu ouvido e colocou mais pipocas na boca, mastigando com mais intensidade que naquela outra hora. Pude sentir a sua respiração bater em minha orelha, a essa altura nem lembrava mais que ele estava tentando me irritar. A sua respiração definitivamente estava mais interessante... Com a mão que tinha livre, pressionei o estofado do banco do carro e fechei os olhos com força, por que aquilo estava me fazendo sentir prazer? — Você é dormente, sério. Desisto — disse se afastando e se eu não tivesse me segurado tinha deixado escapar um alto e bom “NÃO!”. Estava mesmo apreciando aquela situação e, claro, me sentindo louca por isso. Apenas cocei a cabeça, mostrando nervosismo, e voltei a atenção para a tela. O filme estava acabando, já apareciam os créditos. Aí então me toquei de que me concentrei tanto na respiração Arthur que nem lembrei de ver a minha parte favorita do final.
— É, acabou... — sorri fracamente.
— É hora de dar tchau, é hora de dar tchau — MEU DEUS, ARTHUR ESTAVA NO JARDIM DE INFÂNCIA? Mesmo sendo idiota por imitar a voz do além dos Teletubbies, ele me fez rir descontroladamente. — Ah, também não é pra tanto, né Rachel? Eu sei que eu sou engraçado e tudo mais, mas não precisa incorporar uma retardada. — Dei um tapa em seu braço, ficando sem graça depois de perceber que fiz isso — tudo bem, não precisa ficar desse jeito toda vez que me bate, eu gosto! — Ele é mesmo vidente. Estou convencida disso. E que cara de conquistador argentino foi essa que ele fez? Soltei uma risada abafada e balancei a cabeça, encarando os meus joelhos. Não vou mentir que fiquei com vergonha.
Arthur me deu o balde de pipocas que estava entre a gente e arremessou o seu copo de Coca já vazio pela janela, dando partida no carro logo em seguida. Fomos aos poucos deixando o local, primeiro enfrentamos uma fila de carros e para depois conseguirmos sair. Encostei a cabeça no vidro fechado ao meu lado e fiquei encarando o som do carro. Não tinha a intenção de ligá-lo, mas...
— Pode ligar, não está aí de enfeite... — Soltou mais uma de suas risadas. Acordei de um transe, estava apenas olhando para o som, mas a minha cabeça estava longe. Lembrei mais uma vez de Carol e sua família, de como, apesar de tudo, eu me divertia com ela em Bolton. Contudo preferi fazer o que Arthur havia dito e me distrair com uma canção. Liguei e estava tocando “I Wanna Hold Your Hand”, dos Beatles, em uma das estações de rádio. Conheço aquela canção até de trás para frente. Sorri ao ouvi-la e Arthur , que aparentemente nem havia se dado conta do que tocava, começou a cantarolar.
—“Oh, please say to me, you’ll let me be your man... And please say to me, you’ll let me hold your hand, now let me hold your hand… I wanna hold your hand” — (“Oh, por favor diga pra mim que você me deixará ser seu homem... E por favor diga pra mim ‘Eu quero segurar a sua mão’... Agora deixe-me segurar sua mão... Eu quero segurar sua mão”). Sua voz parecia massagear os meus ouvidos, ele cantava destemido, sem nenhum receio de que eu o achasse ruim nisso. Certamente por saber que tem uma voz muito boa. Já havia notado isso naquele dia, quando ele cantou no chuveiro, mas estava longe e ele praticamente berrava. Hoje não, estava em um tom mais suave, assim como na canção original... E ele parecia dançar com a cabeça enquanto cantava. Então resolvi entrar no jogo, não sei de onde tirei coragem e comecei a cantar também. Ele parou por um instante e me olhou atento. Ignorei e continuei cantando, fazendo como ele, “dançando” com a cabeça. Então parece que isso o deu permissão para continuar. Ficamos os dois cantando. Bom, depois começamos a berrar a parte principal do refrão... Cantávamos em meio à gargalhadas, era impossível não rir daquilo. Nem vi o caminho que estávamos fazendo, mas quando me dei conta estávamos estacionados perto da calçada, meu “local de trabalho”. Senti um desânimo ao perceber que já estávamos ali. Virei-me para ele e notei nele a mesma expressão que eu devia estar transparecendo.
— É... Aqui vou eu — sorri e depois tentei abrir a porta do veículo para sair com a mão que estava livre, já que a outra estava segurando o balde quase vazio de pipoca, mas senti a mão de Arthur segurar o meu braço, então recuei e o olhei.
— Você vai ficar aí mesmo? Não quer que eu te deixe, sei lá, perto da sua casa ou lá mesmo? — Seus olhos pareciam implorar e eu me senti como uma adolescente tendo o seu primeiro encontro com um rapaz bonito da escola... Mas eu não podia dar essa “liberdade” para ele, pois querendo ou não ele era um cliente. Apesar das boas risadas que demos, para ele eu era Rachel, e não Lua. Ele conhecia a minha personagem, como a Mel gostava de chamar.
— Não, não precisa mesmo, estou acostumada a fazer esse caminho todos os dias, depois eu pego um táxi. — Respondi, querendo na verdade falar para ele me deixar em casa. Não pareci convencê-lo, mas acho que ele se forçou a acreditar.
— Então tudo bem, mas você podia me dar um telefone, um celular, não sei...
— Eu até lhe daria o meu celular, mas como só tenho um... Você sabe, vai me fazer falta. — Nem sei de onde lembrei dessa, mas dessa vez eu que arranquei boas risadas dele, que me deu um pedala.
— Nossa, que fora! Agora vou embora mesmo, se vira pra ir pra casa, hein? — Ele disse ainda em meio a risadas.
— Não, seu tosco, anota aí! — Achei engraçado vê-lo procurar alguma caneta no porta-luvas e colocar a palma de sua mão na frente do volante, simplesmente me olhando com cara de “pode falar”. Então dei o número do meu celular, quer dizer, o celular da minha personagem. Sim, tenho dois celulares, um pessoal e o outro “profissional” e, por mais que sentisse vontade de dar o pessoal, segui a minha razão e mais uma vez evitei uma maior proximidade. Ele anotou e depois jogou a caneta para trás.
— Não precisa ter medo, hein, não sou nenhum maníaco, só quero descolar o telefone dessa gatinha que está ao meu lado, falou? — Fez uma cara forçada daqueles surfistas super cheios das gírias e fez sinal de “legal”, piscando um dos olhos em seguida, o que acabou me fazendo rir e corar ao mesmo tempo. Ele estava mesmo zoando ou eu tinha recebido finalmente uma cantada?
— Falou, brow... — Entrei na brincadeira — Agora deixa eu ir antes que fique muito tarde... — Esqueci completamente que estava “trabalhando”. Quase saio do carro sem o dinheiro, se não fosse o Arthur me lembrar. Então do que ele me deu, tirei metade. — Você recebeu um desconto de 50% pelo ótimo filme que me levou para assistir! — Brinquei, piscando para ele.
— Ok, quem sou eu pra recusar um desconto, não é? — Sorriu. Finalmente abri a porta do carro. — Tchau, se cuida, viu? E cuidado com essa grana. — Corei nesse instante. Achei completamente fofo ele se preocupar com o meu caminho de volta. Apenas balancei a cabeça e bati continência, arrancando um riso baixo dele.
Saí do veículo e quando tinha dado dois passos notei o balde de pipoca ainda em uma das minhas mãos, então voltei correndo para devolvê-lo, já que tinha sobrado uma boa quantidade de pipoca. Ele abaixou o vidro e me olhou confuso.
— Mudou de ideia? — Falou arqueando as sobrancelhas e sorrindo, quase me fazendo fotografá-lo com uma câmera imaginária.
— Não, tonto, só que agora que me dei conta desse balde de pipoca ainda na minha mão — estiquei o braço, mas fiquei oferecendo para o ar, assim como no dia em que o conheci, quando que ele ficou oferecendo o dinheiro para praticamente ninguém.
— Pode ficar, estou cheio! — Arthur disse passando a mão na barriga e fazendo uma careta engraçada.
— O que eu vou fazer levando um balde de pipoca semi-vazio pra casa? Você está de carro, pode levar! — Falei sorrindo e tentando empurrar para ele. Então notei que ele colocou um sorriso no canto da boca, daqueles em que não se torna necessário mostrar os dentes para que seja deslumbrante.
— Sei lá, fica de recordação? — Senti um choque térmico passar pelo meu corpo.
— Ok, ok... — Dei de ombros sorrindo. — Mas se mais tarde você ficar igual um bebê chorão querendo pipoca, lembre-se de que ela está comigo! — Abracei o balde como se tivesse medo de ser retirado de mim e ele sorriu. — E também, eu vou ficar com isso para me lembrar de você e você fica com o quê para se lembrar de mim? O sarro que está tirando com a minha cara de me ver caminhar com isso? — Indiquei o balde com o olhar.
— Não, para me lembrar de você basta ouvir “I Wanna Hold Your Hand” e cantar parecendo um bezerro desmamado.
Apesar de ele ter soltado uma gargalhada após falar isso, aquilo realmente me tocou. De certa forma estávamos selando um laço de recordações? Aquilo nunca havia me acontecido antes. Fiquei completamente sem graça, mas ao mesmo tempo eufórica por dentro.
— Er, é melhor eu ir, a gente já está conversando aqui, tipo, há muito tempo! — Ri revirando os olhos e o ouvi rir também.
— 'Tá, até mais Rachel — ele acenou e eu acenei de volta com o braço livre. O vi levantar o vidro. Virei-me para fazer meu caminho e ouvi um barulho, ele havia mesmo abaixado o vidro de novo? — Rachel... — Virei-me para o carro de volta e flexionei-me um pouco para poder vê-lo. — Obrigado. — Acho que ele percebeu que arregalei os olhos.
— Pelo quê?
— Por tudo... Pela companhia principalmente — mesmo que no interior do carro estivesse um pouco escuro, pude jurar que o vi corar. Engoli seco, por que ele estava me agradecendo? Quem tinha que agradecer era eu, ele que me tirou por duas horas da chatice que é aquela calçada.
— Eu que te agradeço! — Senti meu rosto arder. — Bom, tchau pela qüinquagésima vez, Arthur! — Sorri quebrando o silêncio que eu achei que se instalaria ali. Ele sorriu e fechou o vidro.
Continuei andando e vi quando o seu carro passou por mim. Ele deu duas buzinadas discretas e eu acenei. Andei por mais ou menos duas quadras até chegar onde pegaria o táxi. E quanto mais eu me afastava da calçada, mais sentia o meu coração apertar. Não queria que aquela noite chegasse ao fim. Fazia tanto tempo que não me divertia daquela forma, que não me sentia aquela garotinha de quatorze anos esperando ganhar o primeiro beijo. Foi como se por duas horas e cinqüenta minutos eu voltasse à minha inocência, como se nunca tivesse tido problemas na vida... Como se todas as minhas memórias fossem doces e o meu coração indestrutível.
Cheguei em casa por volta das onze e meia da noite, encontrei Mel dormindo no sofá, na posição exata em que eu estava há algumas horas. Ri baixinho da cena e fui para o meu quarto, com aquele balde de pipocas praticamente fixo em um dos meus braços. O coloquei em cima da estante perto da minha cama e fui trocar de roupa. Abri aquele casaco que havia sido fechado por Arthur antes de sairmos da calçada, e aí comecei a lembrar de tudo o que havia acontecido há algum tempo. Sorri idiotamente para a minha imagem no espelho, estava mesmo parecendo uma adolescente. Perdi a conta de quanto tempo passei sem estar com um homem que não exigisse apenas sexo, sexo e mais sexo. Então retirei o casaco e o coloquei no cabide perto do espelho, tirei a sandália e depois calmamente a saia, logo em seguida a baby look. Apenas apanhei o baby doll que havia tirado antes de ir trabalhar. Novamente o vesti e me voltei para o balde de pipocas, acabando por encará-lo por alguns segundos, e até cheguei a sorrir para ele, lembrando tudo. Ajeitei alguns travesseiros na cabeceira, peguei o balde e sentei contra os travesseiros. Deixei-o entre as pernas e peguei pipoca por pipoca dali de dentro. Elas já estavam frias, quase geladas, devido ao caminho que fiz antes de chegar em casa. Olhei para a janela aberta do outro lado do quarto e vi o vento balançar as cortinas suavemente. Suspirei e adormeci ali mesmo.

E os Comentários?? Estão Sumindo  : ( !*

Todos créditos reservados á: Fanfic Obsession





7 comentários:

  1. ++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++

    ResponderExcluir
  2. +++. sempre +++
    bjs, sissa

    ResponderExcluir
  3. muuito perfeita , to viciada

    ResponderExcluir
  4. Mylena, quando tu for postar, coloca a letra do tamanho 12, Arial e não precisa colocar o fundo roxo das letras. Deixa normalmente igual eu coloquei aí agora, Ok? Beijos! (Cara, eu to delirantemente LOUCA por essa web!!! PERFECT!!!)

    ResponderExcluir

 

©código base por Ana .
©layout por Sabrina - Fashion Cats Designs